quarta-feira, 18 de novembro de 2009

O Velho e O Moço

Essa é mais uma daquelas histórias dramáticas na qual não se quer mais abrir o coração por estar machucado, não querer mais acreditar no amor por achá-lo uma farsa. O homem de aparência velha aproximou-se do rapaz. O dia poderia ser considerado apenas nulo. Não se fazia calor demais, então os pássaros não exigiam um banho. Não se fazia tanto frio; os que passavam pela praça não pareciam precisar de um casaco. As nuvens cobriam com delicadeza o céu, com medo de passar uma imagem de anuvio. Não era essa a intenção. Era mostrar que não era um dia que deveria incomodar.
As lágrimas começavam a encher, ainda sem escorrer, os olhos do discreto jovem, quando o velho resolveu, apoiando primeiro sua bengala, pra depois fazer uma expressão de esforço, se acomodar. Seus olhos azuis pareciam cansados, suas sobrancelhas faziam seu semblante um pouco mais triste, já que eram suavemente caídas. Suas roupas, ao que pareciam, já faziam parte do idoso. Combinavam completamente, como se ele as usasse o tempo todo. Com esse mistério previsível que a conversa se seguiu.
– E a solução é simplesmente fechar seu coração? – começou o velho, virando o rosto para o rapaz de cabelos escuros que tentavam cobrir o rosto.
– Eu não me importo qual seja a solução, só quero esquecer essa dor que me agoniza; só quero que passe – disse, apertando os olhos, evitando que as lágrimas começassem a escorrer.
– Não é o certo – simplesmente disse o velho.
– Você não sabe o que diz! Quem é você pra dizer o que é melhor pra mim? Você vem dizendo o que é melhor ou pior, mas você nem ao menos me conhece! – disse o jovem, aumentando seu tom.
– As histórias se repetem, rapaz.
– Como você pode saber?
O velho coçou a barba e olhou para o céu. Com saudade. Foi ao fundo da alma buscar, de dentro de um baú antigo, uma antiga história. Um baú de reminiscências. O baú das histórias que não deveriam ser contadas, das folhas que não deveriam ser lidas. Mas que seriam. O velho, com um profundo suspiro, começou a ler sua própria memória.
– Corrija-me se eu estiver errado. Para você, a coisa que mais lhe importava era ela. As coisas que você pensava envolviam o bem estar dela. Cada fato engraçado que ocorria, você pensava na maneira mais engraçada para contá-la. Seus sonhos eram simplesmente ela e castelos. O mundo poderia acabar, sobrando apenas ela, que você seria capaz de reconstruí-lo. Por ela, tudo por ela. O momento mais feliz dos seus dias era quando você sabia. “Vou encontrá-la”. E nada poderia te parar. O que te movia, o que te fazia funcionar, era chegar aos braços dela e não soltar. Olhar para os olhos dela e tentar roubá-los. Roubar o coração dela. Tê-lo pra sempre. A ter pra sempre em seus braços, sempre perto de você. Vocês sempre brincavam de quem era mais feliz e de o que fazer, já que vocês não tinham nada a ver. Ela gostava de cantoras estrangeiras. Você gostava de bandas de rock alternativo. Mas, engraçado, ao mesmo tempo vocês combinavam. No domingo, ela pensava em fazer compras, passear, tomar sol. Você pensava em dormir; mas quando ela ligava no final da tarde te chamando pro cinema, você não pensava duas vezes. As coisas eram complicadas, mas vocês se amavam mais que isso tudo.
O rapaz esperou um tempo até responder. Muita coisa se passava na cabeça dele. A confusão de lembranças agora causava-lhe tamanho impacto que não sabia distinguir a história do velho e a sua real história. Passou a mão sobre os cabelos e olhou para o velho. Os olhos do dele estavam muito além do que se podia ver.
– Mesmo que tudo isso possa acontec...
– Mesmo assim – interrompeu o velho –, com todas as coisas bonitas, ela simplesmente se fechou no mundo particular dela e, então, não se importava mais. Deve ter cansado, deve ter achado outro alguém. Mas não foi em você que ela pensou. Em quem ela mais deveria ter pensado. Te deixou, largado em qualquer banco de praça, sem entender o que havia feito de errado, sem saber o que fazer, desnorteado.
– Nem ao menos se explicou – completou o rapaz.
– E nem ao menos se explicou. Simplesmente foi embora – repetiu o velho, como em contraponto.
– Eu não sei mais o que fazer, eu sacrifiquei tanto por ela, eu mudei tanto por ela, tentei me moldar! Agora não sei mais qual a minha forma – disse o rapaz, não sabendo como, confiando no estranho velho que acabara de conhecer.
– Você não acreditaria. Mas vou lhe contar – começou o velho, com um tom de segredo – Você sofrerá. Não há duvida. Até você mesmo sabe disso. Mas, quando a ferida se fechar, você vai aprender que nem sempre é possível ser feliz; não na hora que se quer. Não era a hora. Uns lhe dirão “acontece...”, outros “não era pra ser...”, mas a verdade é que tudo que você é, tudo que você tem de bom dentro de si, será um dia tudo que alguém quer.
– Não entendo como.
– Sabe, rapaz, um dia você verá que, mesmo sem querer, você irá acreditar e confiar de olhos fechados em outro alguém. Seus dias terão razão e mais brilho, e você verá que a felicidade não era só um mito que havia desaparecido. Você só tem que não se importar. Todas as feridas contam uma história. E todas elas formam um homem.
– E que homem você é? – perguntou o rapaz.
– Apenas um velhinho – disse, abrindo um sorrindo.

Artur Friedrich

5 comentários:

  1. queria saber como é que voce consegue escrever tao bem! voce ainda esta sofrendo por causa dela?

    ResponderExcluir
  2. Amei o texto ^^
    Você escreve muito bem, parabéns Artur! :D

    ResponderExcluir
  3. "Por tanto amor, por tanta emoção a vida me fez assim, doce ou atroz, manso ou feroz, eu caçador de mim..." j

    ResponderExcluir
  4. não me canso de ler esse texto *-*

    ResponderExcluir