domingo, 24 de janeiro de 2010

A Íris Castanha


Fazia tempo que eu não a via que fiquei um tanto desconcertado quando aquele sorriso brilhou nos meus olhos de novo. Ela chegou, quase com uma música de fundo, triunfante. Ela sabia pra onde olhar, ela sabia que havia de olhar pra mim. E como eu gostava de olhar até o fundo da sua alma só pela janela de íris castanha dela. É como se houvesse uma conversa entre olhares e expressões, um discurso mudo. Mas foi aí no meio de um discurso tristemente mudo que joguei as primeiras palavras pro alto.

– Não poderei ter você por muito mais tempo.

Um silêncio engoliu tudo em volta, como em momentos que sua cabeça perde totalmente o foco para só um objeto, e o resto fica borrado; ela pediu, com uma cara de fiel curiosidade e desentendimento.

– Explica.

O problema maior é que eu não sabia ao menos explicar. Não sabia explicar como era possível eu dizer palavras horríveis para um momento bonito. O reencontro foi marcado, afinal, pelo desencontro.
Mas eu devia alguma resposta a ela. Aquele sorriso que desaparecera merecia alguma explicação. Eu tentei, disse que não conseguiria mais, não podia mais. Estava me sufocando, como se eu tivesse chegado a um ponto que me obrigasse a tomar uma decisão, e eu não queria tomar qualquer decisão. É como se o mundo estivesse cobrando alguma ação. Reclamo e jogo a culpa ao mundo, às estrelas, ao destino ou em qualquer responsável por tamanha injustiça. Porque não era pra ter sido assim. Mas não sei se um dia será, enfim. Não conseguia esconder dos meus gestos e palavras quão ideal ela era. Mas ela era perfeita pelo motivo de sermos bons um ao outro; se houvesse qualquer laço forte de dependência, seria o fim. O desastre incorrigível que destrói as coisas boas e espontâneas de viver. Seu corpo era inteiro diversão, sorrisos e vontades. Ela sabia jogar, e nós jogávamos no mesmo time. Mas, voltando ao mundo parado em nossas palavras e olhares, ouvi algo que eu não esperava.


– Eu não quero estragar também, não é pra estragar essa espontaneidade que existe entre a gente. É algo gostoso que eu não sei explicar, que vem dentro de mim e só me causa vontade de ser quem eu sou, sem me esconder, como se eu realmente não precisasse fingir – ela disse isso com o maior sorriso, aquele que eu adorava, como se estivesse pensando “como ele consegue pensar desse jeito?”. Pensávamos iguais, e essa era a nossa dádiva.

Decididas as mais ou menos certas decisões, olhei a última vez nos olhos dela e tentei trasmitir tudo de bom que eu sempre ofereci e disse. Ela era a única excessão. Mas resumi tudo em três simples palavras.

– Você é demais – e ela sorriu.

Ela realmente era.



artur schütte

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