segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

1302

Da janela do décimo terceiro andar de um tradicional edifício do centro da cidade, um brado agonizante quebrava o sepulcral silêncio da madrugada:

— Volta! Para aonde você foi? Volta!

Assim gritava um sempre discreto e introvertido senhor morador do prédio.

— Quem deixou você sumir de mim?! Quem? Vamos, me respondam!

Uma a uma as luzes dos apartamentos vizinhos se ascendiam, cabeças iam surgindo nas janelas, enquanto o choro dos bebês certamente acordados pelo senhor do décimo terceiro andar, em harmonia dissonante com o latido dos cães davam um tom oficialmente trágico a madrugada.

— Volta! Você era tão jovem, tão cheio de vida! Não é possível que tenha ido tão longe! Parece que ontem mesmo ainda estava aqui!

Aos poucos uma pequena multidão se formava frente ao edifício, o porteiro, um garagista, três mendigos e agora dois policiais que chegavam em uma viatura de luzes ligadas pintando a madrugada de vermelho.

— Você era sempre tão cercado de amigos! Tão alegre! Mas agora aonde estão seus amigos, aonde está você?!

Se juntavam a pequena multidão alguns moradores ainda em trajes de dormir, e alguns outros moradores e porteiros de prédios vizinhos. A união da fala de todos formava um uníssono incompreensível de perguntas e comentários, até que uma voz firme e em tom autoritário sobrepõe o burburinho da multidão:

— Alguém aqui sabe quem é esse senhor? Seu nome? Indagou um dos policiais.

— O nome eu não sei não senhor, mas ele é morador do 1302. Respondeu o porteiro.

Enquanto ensaiava uma outra pergunta o policial é interrompido por mais gritos:

— Volta José Alberto! Volta! Você era tão apaixonado pela vida, tão cheio de esperança, de sonhos! Me arrependo tanto de ter tentado esconder você verdadeiramente de todos!

E o tempo passava, a está altura a multidão nem poderia mais ser chamada de pequena, populares e transeuntes já somavam dezenas, outras viaturas já cercavam o local.

O senhor agora não mais gritava de dentro de seu apartamento, estava em pé no parapeito da sacada, a tragédia anunciada ganhava agora tom fatal, a ansiedade da multidão e os empenhos na busca de se descobrir quem era José Alberto já davam lugar ao desespero e resignação total.

— Ah meu Deus! Como pude te perder assim?!

Através das informações já colhidas com vizinhos sabia-se que o senhor nunca fora casado, tampouco tinha filhos e sem amigos de conhecimento público, o nome José Alberto permanecia uma incógnita ainda distante de ser desvendada, e cada segundo que passava parecia ser mais tarde demais.

O senhor lentamente se inclinava enquanto olhava para baixo e gritava por José Alberto que parecia longe de aparecer, a multidão já se afastará da calçada temendo o pior, que logo aconteceu.

Os cabelos grisalhos do senhor em uma fração de segundos perderam-se do parapeito e ganharam o chão da calçada, não havia mais volta e José Alberto seja lá quem fosse não havia voltado, até que da portaria do edifício com uma conta telefônica na mão sai ofegante o porteiro dizendo:

— É ele, ele é José Alberto, o senhor do décimo terceiro é José Alberto, está aqui na conta do 1302!

Ao olhar o corpo estendido na calçada percebe que já era tarde, e assim como os policiais, moradores, mendigos e toda a multidão silenciosamente incrédula, sai à procura de si mesmo e de seus sonhos, antes que de tão distante como para o senhor do 1302 fosse tarde demais para voltar.

pedro dalosto

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