segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

JULES

Eu, cada caso, eu agora amando. Animado. Queria de qualquer maneira: “Ali está, a minha mulher. É ela!” Mas ela, nada. Ah, era casada. Detalhe que torna a guerra fria. Demorou! Eu, já sem esperanças, me dediquei ao jornal, até comecei a sair com umas maçãs bizarras, quando ela chegou de surpresa com uma mala:

“Me separei, vim morar com você!”

Eu agora deslumbrado. Amar. Meus poucos amigos repararam:

“Como você está magro, mais jovem, a pele...”

Compramos livros, lemos poesias em voz altas, discutimos uvas. Trepamos na cozinha, no banho, na varanda. Como ela é sensual, gostosa, que boca, corro pro corpo, corro sempre quando chego. Íamos a todos os filmes e peças. Mas começaram aqueles telefonemas anônimos pro celular dela e umas sumidas. E quando eu ligava e ela não atendia? Depois ainda dava aquela desculpa:

“Deixei no silencioso”

Comecei a ter um ciúme como nunca tinha sentido. E quando ela começou a me tratar mal na frente de todos, rir dos meus lapsos, no bar, local público e privado?

Um dia, achei uma caixinha de camisinhas no carro dela. Ela disse o quê?

“Deve ser do meu irmão, eu emprestei o carro pra ele à tarde.”

Tá? A garota provocava fora que gostava de mostrar que era assediada. E era. Merda! A vida é uma merda! Por que não pode dar certo? Num jantar com meu editor ela não apareceu. Chegou tarde em casa. Disse que tinha passado mal no trabalho. Dei um basta:

“O que está acontecendo?”

Brigamos. Ela saiu e nunca mais voltou. Na nossa primeira e única briga. Liguei, liguei, ela não atendeu. Depois, mandou eu fazer umas malas com as suas coisas. Mandou o irmão vir pegar. E então o verdadeiro pesadelo começou.

“Vem garota, volta pra casa, nossa casa.”

Ela, nada. Um dia, ligou, que tinha sido assaltada. Caiu a ligação. Liguei desesperado, procurei- a em delegacias. Nada. Até um amigo encontrá-la na mesma noite, numa festa, dançando com o antigo marido, feliz, felicidade, com aquele ex. Nunca falamos nisso. Fingi que não sabia.

Nos vimos depois, trepamos, ela dizia que ainda me amava. Mas sumia. Estava com ele, óbvio.
Mas nunca assumia. Passávamos uma noite de amor e ela ia embora. Porque ia pra ele. Começou o jogo. Eu tentava, em casa e-mail, decifrar cada frase, cada palavra, até pontuação, pra ver o que estava acontecendo, se íamos voltar. E horas decidindo a resposta, cada linha, cada palavra, para fazê-la se apaixonar por mim novamente. Dava certo. Saíamos. Ela sugeria o restaurante mais charmoso. Era aquele lance maravilhoso. Trepávamos depois. E sumia de novo. Adoeci. Caco. Ela confessou, estava com ele, morando com ele, voltara pra ele, que estava uma merda, eles só brigavam, que detestava a mania dele de ficar em casa o dia inteiro, mas estava morando com ele.

“Vamos voltar, garota.”

Ela dizia que estava pensando seriamente, mas sumia. Então, inverti. Passei a sumir, a fingir que saía com outras. Daí, pirou, veio atrás, me ligava, deixava recados assim:

“Saudades, quero te ver agora.”

Uma vez, me ligou bêbada de uma festa às três horas da manhã. Disse:

“Está tocando a nossa música, estou morrendo de saudades.”

“Vem pra cá já!”

“Não posso!”

E desligou. Devia estar com ele.

“E aí, garota, o que você quer?”

Ela disse que gostava dos dois, se era possível isso, gostar de dois. Ela queria tudo. Fiquei mais doente. Ia a médicos, eles não sabia o que eu tinha. Eu sabia. Minha doença era tristeza. Eu sabia, não adianta mais viver, ela é a mulher, pra que seguir adiante?

Hoje. Quando acordo, penso que ela está encolhidinha, dormindo ao meu lado. Quando saio de carro, finjo que ela está ao meu lado e ligo o rádio e canto pra ela. Você já amou alguém assim? Ofereci tudo. Tínhamos planos: o tal futuro. Mas ele apareceu. O que ele tem? Ela o ama, mais do que tudo. Ama muito. Só pode ser. Ele é o homem da vida dela. Não eu. Ele não quer muito. É duro ser abandonado. É duro ter que esquecer. Amor... Acham que os males da humanidade são curados por ele. Toda burrice, ganância e exploração será esquecida diante de um casal apaixonado numa cabana de felicidade. E se acabam os problemas. Outros dizem que o amor não existe. Desculpe. Vou acreditar que existe. É possível. Mergulhei. Não deu. Mas ele existe, eu vi. Esteve próximo, na palma da mão. E agora me sinto um pregador. O amor existe. É a janela para outro mundo. E é inesquecível. Transforma alguém em outro mais vivo.

Ah, outro dia ela me ligou, dizendo que estava arrependida. Eu dei parabéns pela gravidez e fui dormir.


Marcelo Rubens Paiva

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