O chuveiro
silencia,
e em meu silêncio
procuro
vislumbrar
o que se segue.
Ouço um som abafado,
imagino
a toalha sendo puxada
do aparador
e abraçando
as formas
da Voz.
Então, ela entra no quarto
sorrindo,
vestindo
apenas
a toalha
com o brasão
do hotel.
A Voz - Esqueci de separar minha roupa.
Procuro
em vão
desviar
o olhar:
Ela percebe
minha luta
e solta a toalha
para poder
se secar
enquanto
me umedece
de suor
e desejo.
Percebendo
minha derrota
seu olhar
me desafia.
Bruscamente
me levanto
e procuro
o cigarro.
A Voz - Acende um pra mim também?
O Agente - Claro.
Ela vem
nua
em minha direção
mas age
como se estivesse
vestida.
Toma o cigarro
da minha boca
e fuma
sorrindo.
O Agente - Uma vez eu estava na praia...
Trago.
O Agente - E vi um garoto construindo um castelo de areia. Ele era muito detalhista e avançava cuidadosamente em sua construção. Cuidava de cada detalhe pormenores, as minúsculas janelinhas, o recorte da muralha, a porta e até sua ponte suspensa. O menino dedicou um bom tempo, pacientemente, a seu projeto.
Trago.
O Agente - Uma vez concluído o castelo, o garoto tomou distância e contemplou a obra. Volteou sua réplica sorrindo de contentamento, depois começou a golpeá-la com os pés até desfazê-la por completo.
A Voz - Mais uma bronca em parábola?
O Agente - Como?
A Voz - Essa história me lembrou a do cachorro.
O Agente - Não, eu só queria me distanciar.
A Voz - Se distanciar? De quê?
O Agente - De sua nudez.
A Voz - Pronto, já estou vestida.
O Agente - Eu recorri à primeira história que me veio à mente por causa da minha determinação... você sabe, quanto a minha opção... assexual.
A Voz - Minha nudez te desconcertou?
O Agente - É, eu não esperava essa naturalidade.
A Voz - Te excitei?
O Agente - Prefiro não falar sobre isso.
A Voz - Por quê?
O Agente - Porque isso me excitaria ainda mais.
A Voz - Então, te excitei?
O Agente - Era isso que você queria?
A Voz - Quem sabe?
Lourenço Mutarelli